5 – Sobre “Ser a Igreja que você quer ver”

“Eles se dedicavam ao ensino dos apóstolos e à comunhão, ao partir do pão e às orações. Todos estavam cheios de temor, e muitas maravilhas e sinais eram feitos pelos apóstolos. Os que criam mantinham-se unidos e tinham tudo em comum. Vendendo suas propriedades e bens, distribuíam a cada um conforme a sua necessidade. Todos os dias, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas, e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus e tendo a simpatia de todo o povo. E o Senhor lhes acrescentava diariamente os que iam sendo salvos.”Atos dos Apóstolos, Cap. 2. versículos 42-47

“E consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia.”Hebreus, Cap. 10. versículos 24-25

“Por isso resolvi não lhes fazer outra visita que causasse tristeza. Pois se os entristeço, quem me alegrará senão vocês, a quem tenho entristecido? Escrevi como escrevi para que, quando eu for, não seja entristecido por aqueles que deveriam alegrar-me. Estava confiante em que todos vocês compartilhariam da minha alegria. Pois eu lhes escrevi com grande aflição e angústia de coração, e com muitas lágrimas, não para entristecê-los, mas para que soubessem como é profundo o meu amor por vocês.”2ª Carta aos Coríntios, Cap. 2. versículos 1-4


É fato que nenhuma igreja no mundo será perfeita; todas têm problemas, afinal de contas, igreja é um ajuntamento de pessoas, e pessoas são criaturas com muitos problemas. No entanto, isso não deve servir de desculpa para que tal ajuntamento permaneça em seus erros e vícios.

Compreendo que há queixas vazias, que provém de gente — presumo — que gosta de dar pitaco em tudo. “Ai! Por que isso é assim, e não é assado?”, ou “Você viu como fulano me tratou?“, ou ainda: “Se eu fosse o pastor, faria desse jeito”. Os exemplos são muitos e variados, mas, mesmo que tais reclamações sejam, em tese, despropositadas, elas podem demonstrar problemas relacionados ao ego de quem reclama. No entanto, há queixas que não são despropositadas e que não nascem — penso eu — no ego do indivíduo.

Tenho um problema sério com essa sentença: “Seja a igreja que você quer ver”. Acho que entendo a intenção da frase. Talvez ela tenha sido feita para incentivar ao fiel da igreja a se tornar em alguém mais atuante dentro de sua comunidade, uma pessoa, quem sabe, mais amorosa e comprometida com o grupo. Mas de boas intenções o inferno está cheio. É meio duro falar isso, admito, mas como posso eu, indivíduo, ser igreja, se igreja é feita em comunidade, em grupo?

Falar “seja a igreja que você quer ver” pode servir de “cala a boca” para aqueles que apontam pecados e outros problemas que surgem na comunidade de fiéis. Ora, se procuro ser cristão, como indivíduo — já que entendo que igreja se dá em comunidade, e não como um sujeito isolado — e procuro, com todas as minhas forças, ser justo, por mais difícil que isso seja, e aponto as faltas da igreja para que ela se conserte, pode ser que alguém, incomodado com minhas observações, diga: “Você reclama demais! Se você quer ver mudanças, seja você, a mudança”. Porém, como posso ser a mudança, se quando aponto erros, e procuro ter atitudes que incentivem a melhoria da igreja, sou repreendido ou tido como rebelde? E depois, o que falar daqueles que ainda são fracos ou novos na fé, que se perturbam com certos comportamentos questionáveis no meio da comunidade? Iremos falar para os novos convertidos: “sejam vocês a igreja que vocês querem ver”?

É bom sempre lembrar: eu sei que existe gente que só reclama por reclamar. Mas o que está sendo colocado aqui, não é isso.

Mesmo que se fale que as igrejas são imperfeitas, me parece que há uma espécie de cobrança, onde nós, como fiéis de alguma denominação, devemos seguir um padrão de vida elevado e impossível de ser alcançado. Se fala de graça redentora, mas quando alguém tropeça, isso parece não valer mais. Talvez, por causa desse tipo de igreja carrancuda, vieram existir aquelas que parecem permitir de tudo. Permitem tantas coisas, menos que se questione determinados comportamentos. Temos então dois extremos: um completamente punitivo, e outro completamente permissivo. Basta uma só pessoa questionar esses extremos, que, de uma hora para outra, as igrejas se dizem imperfeitas, e alguém diz: “seja a igreja que você quer ver, irmão”. Isso quando não comparam as igrejas com UTIs. Aí vai outra crítica: uma UTI que nunca cura ninguém, que só tem gente doente o tempo todo, acaba por deixar os poucos saudáveis doentes também.

Falar para uma pessoa ser a igreja que ele, ou ela, quer ser, é lançar sobre o indivíduo uma responsabilidade que ninguém tem como lidar. Como falei umas duas vezes aqui, acredito que igreja se dá em comunidade, em grupo, em ajuntamento de gente. Sozinho — principalmente quando ninguém te vê —, você deve ser cristão. Deve-se pensar, creio eu, que igreja é um grupo de gente cristã. E é nesse grupo que cada cristão deve estar ligado e unido, suportando e estando sujeitos uns aos outros em amor, como uma família de verdade deve ser. Isso me parece estar em conformidade com o que João diz: “Se, porém, andarmos na luz, como Ele está na luz, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus, seu Filho, nos purifica de todo pecado” (1ª Carta de João, capítulo 1, versículo 7).

Acho que não existe um “ser igreja”, mas sim um “sermos igreja”. As críticas que fiz não são para serem apenas críticas, mas são, acredito, coisas para serem pensadas e refletidas. Igreja não se faz com um só, mas com grupo. “Pois onde se reunirem dois ou três em meu nome, ali eu estou no meio deles” (Evangelho de Mateus, capítulo 18, versículo 20). Tal reflexão, nada doce, serve para pensarmos sobre o que significa a igreja; serve para refletirmos sobre nossas atitudes de uns para com os outros: se temos sido misericordiosos; amorosos; prudentes no falar e sensíveis à dor daqueles que estão ao nosso lado, congregando junto conosco.

Que juntos, como cristãos, possamos buscar ser a igreja que Cristo deseja, sabendo que não será tarefa fácil, mas sempre lembrando que “Cristo, sempre pronto e perto, vai ajudar a quem realmente assumir, diante dele e de todos compromisso de seguir seus passos, fielmente até o fim” (Tudo ou nada, de Sérgio Pimenta).

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