7 – Parecer ou Ser

“A beleza de vocês não deve estar nos enfeites exteriores, como cabelos trançados e joias de ouro ou roupas finas. Ao contrário, esteja no ser interior, que não perece, beleza demonstrada num espírito dócil e tranquilo, o que é de grande valor para Deus”.

1ª Carta de Pedro, 3.3-4


“O SENHOR, contudo, disse a Samuel: ‘Não considere sua aparência nem sua altura, pois eu o rejeitei. O SENHOR não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o SENHOR vê o coração”.

1º Samuel, 16.7


“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos”.

Filipenses, 2.3


“Filhinhos, não amemos de palavra nem de boca, mas em ação e em verdade”.

1ª Carta de João, 3.18


Diante de todos, aparentemente, colocamos máscaras, e aquilo que nos torna autênticos fica oculto num interior que poucos, ou ninguém, têm acesso. Nos sentimos desconfortáveis quando somos revelados, quando veem nossas fraquezas, nossas feiuras. Isso parece ser amplificado nesse mundo de virtualidade social, com seus serviços de mídias, que visam, principalmente, o comércio da imagem. Pode ser que, por causa disso, nos sintamos impelidos a agir de certa forma, assim como falar de determinado jeito, já que todos estão sendo vistos e observados. A autenticidade vai pelo ralo, e os discursos passam a ser, além de rasos e não-reflexivos, localizados e produzidos para nichos, bolhas, ou qualquer coisa do tipo.

As mídias sociais não deixam de ser, por causa disso, uma ferramenta boa, já que permite uma comunicação rápida e flexível, além de ter um pretenso longo alcance entre os seus usuários. Porém, como tudo pode ser desvirtuado, isso não é diferente com este caso. Ora, pessoas e diversos tipos de organizações criam tendências, ou as replicam, por meio das mídias sociais — e isso pode ser bom, ou mau. No caso das igrejas, pode-se dizer que elas enxergam nessa ferramenta uma boa oportunidade de crescimento. Cultos e mensagens podem ser transmitidos pela internet e alcançar inúmeros lares e famílias. Devido a esse mercado — o de mídias sociais —, surgem serviços que prometem facilitar o caminho das igrejas no mundo virtual, propondo um plano de negócios focado em crescimento estratégico do número de membros. Sutilmente, cada igreja passa a ser concorrente uma da outra. Mas não devemos esquecer que, claro, tudo isso é para o estabelecimento do Reino de Deus na Terra.

Mas isso me lembra algo que li em certa fantasia, sobre a estratégia que Sauron (o vilão de o Senhor dos Anéis) usou para corromper os Elfos. Veja só:

“Mas alhures os Elfos [de Eregion] recebiam [Sauron] contentes, e poucos entre eles escutavam os mensageiros de Lindon pedindo que tivessem cuidado; pois Sauron tomou para si o nome de Annatar, o Senhor das Dádivas, e tinham, no princípio, muito proveito de sua amizade. E dizia a eles [falando de sua rejeição pelos Elfos de Lindon]: ‘[…] Será que não desejam ver outras terras se tornarem tão ditosas quanto a deles? Mas por que motivo a Terra-média deveria permanecer para sempre desolada e sombria, enquanto os Elfos poderiam torná-la tão bela quanto Eress­ëa e, quiçá, tanto quanto Valinor? E já que não retornastes para lá, como podíeis, percebo que amais esta Terra-média como eu amo. Não é então nossa tarefa labutar juntos para o seu enriquecimento e para a elevação de todas as gentes-élficas que vagam aqui sem instrução à altura daquele poder e sem o conhecimento que têm aqueles que estão além-Mar?*”

J.R.R. Tolkien – A Queda de Númenor.
*grifo nosso

O desejo de deixar as coisas belas levaram os Elfos a forjarem os tais dos Anéis de Poder, e logo, o Senhor das Dádivas, forjou o Um Anel para todos aprisionar nas trevas. Sauron, sabendo que os Elfos tinham, pretensamente, vontade de fazer o bem, usou exatamente isso para enganá-los; os encheu de soberba e os levou à desobediência contra o seu Criador.

Apesar de serem coisas bem diferentes — Fantasia e Realidade — parece existir um paralelo aqui: os Elfos desejavam tornar belo o mundo; as igrejas pretendem trazer pessoas para Jesus. Os Anéis poderiam deixar o mundo cheio de beleza, e as mídias sociais têm o potencial de encher as igrejas. O engano se encontra na boa intenção que não é refletida e nem pensada. Deixando o exemplo dos Elfos de lado, e olhando para o caso das igrejas, parece que estas não percebem, ou não querem perceber, como as mídias sociais se dão em nossa realidade. As mídias sociais funcionam para a venda; é um mercado. O inimigo, assim como Sauron, promete mundos e fundos, oferecendo algo aparentemente bom e agradável, e a princípio, sem mácula — uma oportunidade de fazer o bem. No entanto, esse é um “presente” que corrói e adoece, sorrateiramente, os corações daqueles que, desejando fazer o bem, compram a ideia. Ora, é correto afirmar que se uma boa campanha de marketing for feita, uma igreja pode crescer. Mas esse crescimento pode ser apenas em número, e não em gente que compreendeu o evangelho e recebeu Cristo no coração. Além disso, pode haver incontáveis pessoas que ficam doentes e feridas nessas “campanhas de marketing“.

Com essas coisas em mente, retornemos ao início deste texto. As mídias sociais visam à venda de imagens. Igrejas passam a vender aparências e momentos; fotografias que captam o instante da emoção, e vídeos com músicas apaixonadas, instigam possíveis novos membros, e enchem de orgulho aqueles que já pertencem a tal igreja. Tudo é muito perfeito e limpo. É uma ótima estratégia para fazer o Reino de Deus crescer, esquecendo que é Deus quem dá esse crescimento. As igrejas se tornam um lugar de experiência e deixam de ser um local de conversão. Tudo é teatral e falso. O pior, é que ninguém se dá conta dessa ilusão.

Por ter que aparecer nas mídias, deixamos nossa autenticidade, e esquecemos nossa originalidade e identidade. Nos enchemos de soberbas e enfeites, e fingimos ser algo que não somos para cativar as redes. É mais importante parecer do que ser. Escolhemos viver no virtual, que mais nos isola do que aproxima, e dizemos que é um avanço moderno da igreja — escolhemos viver de aparências, e não de atitudes. Pode ser que irmãos e irmãs de idade sejam esquecidos em suas casas, já que existe a transmissão ao vivo e on-line do culto. É mais fácil deixar os fracos em casa, do que alguém ir até eles para os buscar para ter comunhão com a comunidade. A rede isola e enfraquece a igreja, que, para sobreviver, deve parecer atraente no virtual.

Hoje, para vender nossa imagem para os outros que nos veem, precisamos de equipes de mídia, processos criativos — coisa de empresa; coisa de negócio. Não demorará muito tempo para as igrejas terem um ministério de contenção de danos, pois tudo o que é fundado em falsidade, mais cedo, ou mais tarde, perece e cai. Cabe colocar aqui que, essa falsidade a qual me refiro, não é proposital, mas nasce nesse anseio de aparecer, de se mostrar, de se vender. Mas é nessa necessidade de manter as aparências que as coisas quebram e se destroem. Somos vítimas do deslumbramento tecnológico e, principalmente, da nossa falta de reflexão.

As igrejas não são, e nem devem ser como empresas, ou como casas de festas para vender uma experiência para o seu público-alvo. Igreja é o local onde dois ou três se reúnem em nome do Senhor para adorá-lo. É local de conversão e arrependimento de pecados. É onde as diferenças do rico e do pobre acabam, onde ambos podem se ver como iguais; é onde podem se chamar de irmãos. É ali que a dor e a alegria são compartilhadas, e onde não há preferências por certas pessoas e rejeição de outras. É na igreja, firmada em Cristo, que as classes acabam. Como diz Paulo: “Nessa nova vida já não há diferença entre grego e judeu, circunciso e incircunciso, bárbaro e cita, escravo e livre, mas Cristo é tudo e está em todos” (Colossenses, 3. 11).

Se procurarmos ser, ao invés de parecer, se nos preocuparmos mais em seguir os ensinamentos de Cristo, do que montar a postagem perfeita para as redes, brilharemos a luz do evangelho e o Espírito Santo tocará os corações daqueles que nos cercam. Será autêntico porque não haverá preocupação de se mostrar para os outros. Simplesmente estaremos sendo aquilo que o Senhor nos mandou ser. Ora, as mensagens, estas, sim, devem ser gravadas e disseminadas pela rede. Porém, a igreja se dá no real, no mundo físico, no contato mútuo de um com o outro. No virtual há apenas aparências. Apenas no mundo real que podemos ser quem devemos ser.

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