O Funeral

O corpo vazio estava lá, naquele caixão recheado de flores brancas e amarelas. Tinha-se a impressão de que dormia um sono tranquilo — aquele sono gostoso que se tem toda segunda-feira antes do despertador berrar. Albuquerque Amaro da Silva estava em paz — ao menos era o que seu rosto dizia —, porém, ao seu redor havia choro, indignação e reflexão. Bem, a morte faz parte da vida, mas não é algo desejado, apesar de ser inesperadamente esperada. E Albuquerque e sua família não esperavam que tudo aquilo fosse acontecer assim, tão de repente.

Fiquei um tempo observando aquelas pobres almas aflitas, pegas de surpresa pelo mal súbito do falecido. Como estavam desoladas e inconsoláveis! Alguns funcionários do crematório, tão acostumados com a morte, olhavam para aquela família grande e baixavam os olhos, pensando sobre a vida e suas esquisitices. Pois é… a morte tem disso: é no momento dela que paramos para refletir sobre a vida, sobre nossas escolhas e sobre o acaso. E quem diria que o infeliz Albuquerque morreria repentinamente naquela calçada, nos braços de seu filho que iria casar naquele mês? E agora, naquele momento fúnebre, Rosângela Vieira, a viúva, se perguntava: “o que será de mim?”, e seu filho, a triste testemunha da tragédia, refletia profundamente sobre o porquê de ter acontecido exatamente naquele momento e naquele dia. Questões sem respostas.

Ao que me parece, a morte é como um ponto final na história das criaturas. Não permite retorno, muito menos correções posteriores. É como se ela manifestasse o que a pessoa representou em vida. É como se apresentasse uma obra acabada… ou inacabada — há obras que terminam sem serem finalizadas. Se o sujeito foi gentil na maior parte de sua história, é isso que permanecerá nos corações dos vivos; se foi rude e arrogante, pode ser que alguém tenha péssimas lembranças desse ser; ou, ainda, se a pessoa foi má, mas se arrependeu de sua maldade, e se transformou num poço de bondade e virtude, é bem capaz de que seja lembrada como alguém regenerado. Os exemplos deixados seguirão no interior daqueles que foram deixados para trás. E posso dizer que o bom exemplo de Albuquerque seguiria inscrito no coração de Vinícius Augusto por toda sua vida.

Vinícius era o filho que viu o que não gostaria de ter visto. Seu olhar era fixo, mas não era vazio. Não chorava, mas estava dilacerado e revoltado. É difícil aceitar o imprevisível quando acontece, pois a incerteza está aí, para todos… mas entendo… ao menos, acho que entendo sua revolta. Naquele dia Vinícius conversava alegremente com o pai; falavam sobre tudo, mas o foco era a ansiedade do casamento. Pai e filho estavam ansiosos. Ansiosos e felizes.

Saíram juntos para comprar pão. Vinícius gostava de acompanhar o pai até a padaria; era um momento só deles. Tudo corria bem, até tudo sair do lugar. Foi na fila do caixa que Albuquerque caiu de repente. O filho reagiu instintivamente e segurou o corpo que caía, pesado. A ambulância veio rápido, mas chegou tarde… Ou talvez já fosse tarde desde cedo… O senhor Albuquerque morreu às 08h53min da manhã do dia três de abril de 2053, numa quinta-feira. É certo dizer que a visão tenebrosa da morte instantânea assombrava a mente do pobre rapaz.

Aquilo ficou marcado em sua vida.

É natural que ocorra sentimentos de revolta e de tristeza nesses momentos, mas, diante do acaso, são os vivos que devem decidir o que fazer a partir daquele instante. Pode ser que o trauma causado pelo imprevisível leve a uma saudade nostálgica, onde o exemplo de amor e carinho serão mais lembrados do que a dolorosa separação final. Pode ser que o trauma faça florescer sentimentos obscuros, baseados em uma saudade melancólica e sombria, que levem a pessoa para um caminho destrutivo. Vinícius tinha que escolher… mas essas escolhas são complicadas… é difícil para os humanos lidarem com perdas.

Mas, posso dizer que Vinícius conseguiu ter boas escolhas. Foi difícil e doloroso aceitar o inesperado, mas o filho de Albuquerque, com a ajuda de sua noiva e de sua mãe, que também sofreram muito, conseguiu deixar a revolta de lado. Nas horas da dificuldade é bom ter amigos e gente querida por perto. Após um ano, Vinícius se casou com Carolina Soares de Lima e teve dois filhos com ela. Havia alegria na casa deles, mas uma pequena dose de tristeza era perceptível. Porém, não era uma tristeza deprimente; era uma que fazia pensar na vida.

Houve muitas outras tristezas e alegrias na vida daquele rapaz. Isso é comum na vida das criaturas. Agora, avançando bem para frente, pode-se dizer que, curiosamente, a morte de Vinícius foi esperada. Diferente de seu pai, todos sabiam que, mais cedo ou mais tarde, ele iria embora; já estava bem velho e debilitado e seu cérebro, deteriorado. Apesar da incerteza do dia da partida, seus amigos e familiares já estavam conformados. Quando aconteceu, não houve choque. Assim como seu pai, Vinícius foi um bom homem na medida do possível. Errou como muitos erram; mas acertou, como muitos acertam. Em resumo, fez o possível para ser um bom exemplo. Em seu funeral, seus netos lembravam dos ensinamentos do “Vô Vini”, e refletiram sobre a vida na hora da morte.

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