Filho de pais separados, divorciado, sem muitos amigos e endividado. Esse era Juarez Soares, um homem não muito favorecido pela vida ou pela sorte. Era uma pessoa comum, teimoso como uma pedra, e com mania de grandeza. Talvez Juarez fosse consciente de sua condição miserável, ou talvez preferisse ignorar a realidade dos fatos. Ora, Juarez congregava numa igrejinha de porta de garagem, e lá ficava à vontade para falar tudo o que queria. As pessoas o ouviam e o homem se sentia bem e realizado; se sentia importante. No entanto, pelas suas costas os irmãos da igreja reclamavam com o pastor, dizendo que Juarez precisava de uma dose de realidade. Romário Duarte Miguez, o pastor, os ouvia com paciência e entendia cada reclamação. Porém tinha pena de Juarez, e sempre dizia às suas ovelhas: “é preciso paciência, irmãos. É preciso paciência!”. Mas isso mudou certo dia.
Juarez era uma pessoa bem inteligente e sempre tinha pretensos argumentos para tudo. Romário via que o homem tinha potencial, por isso, por alguma razão do Desconhecido, o pastor achou que seria uma boa ideia deixar Juarez pregar todo segundo domingo do mês. E aqueles domingos eram os mais vazios. Os poucos ouvintes se seguravam nas cadeiras de plástico para não deixarem o pequeno templo de garagem. Talvez tivessem consideração por Romário, já que era uma pessoa simpática e de boa energia. Ou talvez fossem gente realmente santa, já que Juarez falava muito, era prolixo, com um discurso extremamente cansativo, sem sentido e sem fim. Mas naquela noite de treze de março, pastor Romário teve que concordar que Juarez passou dos limites.
— Sabe, irmãos — dizia Juarez, tentando colocar alguma eloquência com sua voz grave —, há muitas coisas na internet que devemos levar a sério. São avisos que outros mensageiros nos entregam pela rede. E um desses avisos é de que eles estão chegando. — Romário levantou uma das sobrancelhas ao ouvir isso. — Sim, eles estão vindo para cá. Acho que perdemos muito tempo sem dar atenção aos sinais que aparecem no céu, dia após dia! O mundo está um caos, e nos preocupamos com o bolinho de aniversário da tia Maricota! Muita gente séria, tanto irmãos de igreja, quanto gente do governo dos Estados Unidos, tem falado da chegada deles! E o que estamos… — nesse ponto Romário se levantou e tocou no ombro de Juarez:
— Irmão, queira se sentar, por favor.
— Mas eu preciso avisar da chegada deles. Ainda não terminei.
— Depois, caro irmão Juarez. — Romário deu um sorriso para encerrar aquele assunto, e prosseguiu para o término do culto. Não é preciso dizer que os irmãos da igreja ficaram de cochicho depois. Já Juarez, sentou-se numa das poltronas de madeira, com uma fisionomia de ódio que podia ser vista à distância.
Após Romário se despedir do último irmão, com uma sugestiva recomendação de “não fique pelos corredores comentando o que aconteceu hoje”, chamou Juarez, que já veio falando:
— Acho uma vergonha isso, senhor pastor! Você deveria ter vergonha do que você fez comigo hoje! Eu não acei… — Romário fez sinal para que Juarez se acalmasse. Então respondeu, coçando uma das sobrancelhas:
— Olha, Juarez, igreja não é lugar para ficar se falando de teorias de conspiração. Será que você não presta atenção nos outros cultos? É tão aplicado e inteligente, e vem falar umas coisas dessas aqui? “Eles estão chegando”? Quem são “eles”?
— É o povo das estrelas! Existem provas e mais provas de que estarão aqui em breve, pastor. As pessoas precisam saber disso.
— Juarez! Isso é bobagem de internet! Tem gente ganhando dinheiro com a sua audiência, rapaz!
— Vocês são todos uns tapados! Alienados da verdade!
— Ai, ai… Irmão Juarez, você já procurou aquela ajuda que te falei? A filha da dona Doralice é psicóloga e pode te ajudar. — Juarez olhou com ódio para Romário.
— É assim mesmo! Eu sou sempre o maluco da vez! Dizem que igreja é lugar de paz, mas só vejo gente alienada aqui! Passar bem, pastor!
— Ninguém está te chamando de maluco, Juarez! Mas você carrega um fardo pesado demais. E falar essas coisas que você disse hoje… Me parece que você quer atenção… — Romário acabou soltando esta última frase sem querer. — Bem, é… eu não quis dizer isso… é…
— Você quis dizer sim, pastor. Pode admitir!
— Juarez, não foi por mal. Eu realmente me preocupo com você.
— Tudo bem, pastor! Tudo bem! Vou pra minha casa, que é o melhor que posso fazer! Se preocupa mais comigo não!
Juarez saiu da igreja remoendo aquela conversa. Enquanto caminhava pela rua vazia e úmida, xingava o pastor e os membros da igreja em pensamento. Repetia, resmungando para si mesmo, “eles vão ver… eles vão ver”. Chegou em casa batendo a porta, assustando os vizinhos. Depois se jogou no sofá e acessou um vídeo, de três horas, que afirmava que anjos, na realidade, eram criaturas que pertenciam a uma armada espacial de uma tal de Aliança Intergaláctica. Assistiu aquilo até pegar no sono.
Não dormiu bem e acordou com uma baita dor de cabeça; era como se um caminhão tivesse passado por cima dele. Enquanto bebia sua água, na cozinha, refletiu sobre a vida e, como num vislumbre de sanidade, perguntou-se o porquê de estar triste. Pensou nisso por três minutos, e depois foi se arrumar para ir ao trabalho.
Aquela segunda-feira estava chuvosa e com nuvens escuras. Juarez não estranhou nada no clima, mas achou esquisito as ruas estarem vazias. A falta de trânsito em dia de aguaceiro o deixou com uma pulga atrás da orelha. Ao subir em seu ônibus, que, diga-se de passagem, demorou bastante para chegar, perguntou ao motorista se o dia estava estranho. O motorista o olhou, bem no olho, e respondeu:
— Amigo, estranho seria se o dia estivesse normal!
Juarez ficou um instante olhando para o motorista, depois se sentou em um lugar no meio do ônibus, sem entender o que acabou de ouvir.
Chegou em tempo recorde no seu trabalho, que ficava bem no centro da cidade. Ao ver um ou outro comerciante abrindo suas lojas, se tranquilizou, e entendeu que o tempo estranho era apenas coisa de sua cabeça. No entanto, a sensação esquisita ainda permanecia.
Ao chegar no andar de seu escritório, o encontrou completamente vazio. Nem os funcionários da limpeza tinham aparecido. De repente um trovão soou lá fora e um forte aguaceiro começou a cair. Juarez pensou que a chuva deveria estar castigando a cidade; isso explicaria o escritório vazio. De qualquer modo, pegou seu celular para ver se alguém tinha falado alguma coisa, mas acabou se surpreendendo com a quantidade de ligações perdidas e de mensagens não lidas. Decidiu ligar primeiro para sua ex-esposa, já que ela tinha mandado quase cinquenta mensagens seguidas.
— Oi Diana… O que vo…
— Olha, Juarez, sempre te chamei de louco, mas agora tenho que concordar! Você tava certo!
— Certo de que, mulher? O que você quer?
— Eles estão aqui. Chegaram! É só olhar para o céu.
— Isso é um trote? Se você tiver me dando um trote, você…
— Eu não quero brigar contigo! Só olha pro céu!
— Tá caindo uma chuva fortíssima aqui. O que que tem no céu?
— Ai… Então liga a TV aí! Vai logo!
Juarez foi até a copa e ligou a televisão. Todos os jornais mostravam que grandes discos pairavam sobre as principais capitais do mundo. O homem se sentou numa cadeira e ficou abismado com aquilo. Diana, que ainda estava do outro lado da linha, falou:
— Ligou? Está vendo? Você estava certo! Você e aqueles lunáticos da internet! Alô? Tá aí ainda?
— Sim… Estou… Ai, Diana, isso daí tá parecendo efeito de computador.
— Você… tá brincando, né? Tem um disco enorme, bem em cima da minha cidade. Eu nem sei como tô calma agora!
— Não, não… Isso é montagem e você tá de brincadeira comigo. Aliás, todo mundo deve tá brincando comigo. O escritório tá vazio, as ruas estão vazias, e o motorista de meu ônibus era um cara bizarro. Isso é uma pegadinha!
— Cara… não é pegadinha! Tem disco-voadores por todo o mundo. São os alienígenas! Eles chegaram! Todos os jornais estão passando isso. Pergunte para alguém daí!
— Diana, pode parar com essa brincadeira de mau gosto!
— Mas é verda… — A ligação encerrou no mesmo instante, e a TV ficou sem energia também. Juarez simplesmente deu de ombros e resmungou, acreditando que aquilo tudo não passava de uma pegadinha de mau gosto. Ficou ainda mais aborrecido por ver que nada no escritório estava funcionando. Pensou que a chuva era a responsável por aquilo.
Desceu, de escada, onze andares, cheio de raiva e frustração. Ao chegar no saguão principal, viu que estava lotado de gente amedrontada. Foi até ao Márcio, um dos seguranças do prédio.
— Que gente toda é essa aqui? Tão aqui por causa da chuva?
— Estão com medo dos Ets. Parece que desligaram a cidade toda. — Juarez, ao ouvir isso, simplesmente deu as costas para Márcio, porém, o segurança lhe falou: — Olha, seu Juarez, é melhor ficar aqui dentro. Daqui a pouco os militares devem aparecer para nos orientar. Foi o que ouvi dizer.
— Sim, sim! Militares… Vou-me embora pra casa. Que vexame isso!
Juarez saiu empurrando todo mundo até chegar ao lado de fora. Como havia esquecido o seu guarda-chuva, enfrentou aquele aguaceiro até o seu ponto. No entanto, nenhum ônibus ou carro passava, e isso irritava ainda mais a Juarez. Então pensou em pegar o metrô.
Enfrentou a chuva novamente e se assustou ao ver a estação lotada de gente apavorada. Para Juarez aquela situação estava começando a perder o controle. Cogitou que poderia estar realmente acontecendo alguma coisa, por isso perguntou a um dos seguranças do metrô, se tinha alguma informação.
— São os Ets, cara! É a única informação que tenho.
— Se são eles, cadê eles?
— Estão nas suas naves, ora. Mas essa chuva toda não deixa a gente ver, mas estão acima de nós!
— Isso daí deve ser a China que decidiu invadir todo mundo!
— Que China cara?! Isso daí é Et mesmo!
— Você tá ganhando quanto pra essa palhaçada?
— Cara, o que você tá falando? — De repente todos ouviram um grande estrondo, e houve gritos e medo. Juarez era o único indiferente.
— Quer saber, vou a pé para casa.
— Mas não é seguro.
Juarez ignorou o segurança e subiu para a superfície novamente.
A chuva começou a diminuir e Juarez sentiu frio. Estava irritadiço, com fome e enxarcado, e aquele som grave, que vinha do céu com mais frequência, o aborrecia ainda mais. No entanto, ele admitia que era bem esquisito ver as ruas vazias; era uma coisa rara, que só se via em 1º de janeiro. Quando já estava chegando na rua de sua casa, viu três silhuetas aparecerem na esquina. Havia algo de bizarro naquelas figuras, além de cabeças aparentemente alongadas. Porém, Juarez apenas bufou e resmungou para si mesmo: “Era só o que me faltava… É hoje que sou assaltado”.
Juarez foi para o outro lado da calçada e apertou o passo. Os três estranhos, que pareciam flutuar, pararam e observaram o homem, que fechou ainda mais o semblante. Juarez então falou:
— Olha, eu não tenho nada! Nada mesmo! Eu só quero chegar em casa e tomar um banho e dormir, além de comer alguma coisa. Se quiser assaltar, assalta pra lá! Aqui só tem trabalhador!
As figuras se entreolharam, e Juarez apagou no mesmo instante.
Juarez acordou em um lugar escuro, com uma leve luz branca que vinha do chão. Olhou ao seu redor e viu outras pessoas, ora apagadas, ora desesperadas. Ele realmente chegou a pensar que havia sido sequestrado por alienígenas, mas logo afastou a ideia. Aquilo tudo, para ele, não passava de brincadeira de sua ex-esposa com o pastor de sua ex-igreja. Olhou para todos os cantos procurando por câmeras escondidas, mas não achou nenhuma. Então disse para todo mundo ouvir:
— Tudo bem! Acabou! Estão felizes de me ridicularizarem? Será que não era mais fácil dizer que eu estava falando bobagem? Pra quê isso?
As outras pessoas que estavam acordadas, olharam com dúvida para Juarez. Uma mulher, que chorava em silêncio, respondeu:
— Moço, os alienígenas nos capturaram. Estão nos levando embora, e não sabemos pra quê. Fomos invadidos!
Juarez olhou profundamente para a moça. Ele estava com raiva.
— Vem cá, mocinha! Pode parar de atuar. Eu já sei que isso é uma pegadinha!
— Isso não é uma pegadinha! Está na sua cara! Fomos capturados por Ets!
— Ah! Claro que sim! Fomos capturados pelos pleiadianos! Maravilha! Eu sei que eles estão vindo pra cá! Já estão nos nossos governos há anos! Mas isso aqui não tem nada a ver com eles! Isso aqui é obra do pastor da minha igreja com aquela mocréia da minha ex-esposa! — a mulher olhou com perplexidade para Juarez — Eu sempre falei que os alienígenas estavam vindo, mas sempre desdenharam de mim! E agora, esse é o deboche final! Inventaram esse fuzuê todo só pra me fazer de palhaço! Esses trastes devem estar em alguma sala escondida, rindo da minha cara, dizendo: “olha lá o otário do Juarez! Olha os Ets dele aí!”. Bando de salafrário!
— Eu… eu realmente não acredito que você acha isso… Olha lá um Et! — A mulher apontou para uma criatura bípede, de cabeça alongada e de pele azul. Os olhos do extraterrestre eram negros como petróleo, e ele se movia medonhamente. — Como você pode achar que isso é uma pegadinha?
— Maquiagem, minha filha! É só ver! Ei! Você aí! Com essa maquiagem aí! Isso! É, você mesmo! Vem cá!
O Et não esboçava nenhuma expressão; seu rosto era frio e incomodativo. Porém, Juarez era o único que debochava daquilo.
— Aí, você é um ator, não é? — Perguntou Juarez, olhando diretamente naqueles olhos grandes e amendoados. — Pode sair do personagem! Pode falar!
De repente, a moça que discutia com Juarez, caiu de joelhos e, chorando, respondeu:
— Ele… ele quer entender por que você não o ouve.
— Como assim? Ele tá de boca fechada! Como vou ouvir? E mocinha, para com isso… você tá me assustando. Anda, levanta. Pode parar de fingir.
— Eu… eu não estou fingindo. Ele está na minha cabeça… E quer saber por que você não escuta. — A moça se virou para o Et, e falou — Olha, eu não sei disso… Nem conheço esse homem. Ele acha que isso tudo é uma pegadinha… Pegadinha? Bem… É tipo uma brincadeira que você faz com outra pessoa… É… é para diversão alheia. Estranho? Não, até que é divertido em certos casos. Sério!
— Por favor, quero voltar para casa. Isso, pra mim, já deu! — Juarez se jogou num canto e ficou lá, esperando. O Et, por sua vez, o observou com real interesse.
O que aconteceu com Juarez a partir daquele dia, não se sabe. No entanto, de certo modo, ele é visto como um herói na Terra, pois os alienígenas, sem dar nenhum tipo de satisfação, libertaram todos os capturados, e foram embora do sistema solar. Ficaram apenas com Juarez. A tal da moça, que serviu como canal de comunicação com o homem, escreveu um livro sobre “a corajosa teimosia e loucura de Juarez”, que insistia em não acreditar que estava em uma nave extraterrestre.
O que será que aconteceu com Juarez era uma pergunta que ecoava nas mentes de todas as pessoas do mundo, principalmente de pastor Romário. Porém, a única coisa que se sabe, com certeza, é que a Terra nunca mais foi a mesma depois daquele acontecimento tão assustador.