Um Caso Inquietante

É curioso pensar que as possibilidades são infinitas, mas as escolhas são únicas e irreparáveis. O que aconteceu, aconteceu, e o que resta é a realidade e uns ecos destoantes, vindos de realidades que talvez tenham acontecido. Ainda me pergunto se elas realmente acontecem… Porém os humanos ainda possuem a péssima mania de imaginar como as coisas poderiam ter sido se agissem diferente. Péssima mania para lidar com escolhas malfeitas.

E escolha era uma coisa que Elizabete Dantas tinha de sobra. Posso dizer que, de vez em quando, ela pensava em uma ou outra realidade paralela — e pensava bem errado… Porém, costumava agir bem e não tinha tantos percalços assim na vida. Era muito inteligente, acima da média, e publicou inúmeros trabalhos acadêmicos. Mas toda essa inteligência a levou ao isolamento.

Era complicado para Elizabete ter uma conversa “normal”. Seu círculo de amizades, bem diverso por sinal, ou se preocupava com futilidades, ou era intelectualizado demais. Se era profunda em algum assunto, seus colegas ficavam sem graça; se falasse qualquer bobagem para descontrair, olhavam para ela com certo desdém. Elizabete parecia não se encaixar em grupo nenhum. Estava deslocada no tempo e no espaço.

Todos os dias Elizabete tentava viver. Estudava, escrevia e dava aulas. Era gentil com seus alunos e amável com todos. No entanto, mesmo cercada de gente, se sentia só. Chegou a pensar em buscar uma terapia para se entender e lidar com aquela situação. Mas isso ficou apenas no campo da possibilidade.

Quando casou com um tal de Luiz Paulo Fernandes, achou que tudo melhoraria. Luiz era um homem bonito, charmoso e inteligente, e o namoro deles foi lindo de se ver. No entanto, pequenas coisas foram desgastando o casamento com o passar dos anos — pequenas coisas que poderiam ter sido evitadas. Elizabete, ainda no namoro, havia percebido que Luiz era um pouco relaxado. No terceiro ano de casamento, isso ficou mais claro que a luz do dia.

Luiz era totalmente preguiçoso e pouco companheiro. Não é preciso dizer que Elizabete estava entrando em depressão por causa do casamento, porém, Luiz acreditava que amava sua esposa, e não entendia o porquê de vê-la sempre triste. Apesar disso, Elizabete amava Luiz e imaginava que um dia ele melhoraria.

E assim Elizabete foi vivendo, até sentir a solidão lhe esmagar por todos os lados. Ela sabia que precisava buscar ajuda, mas não buscava. Teimosia? Talvez. No entanto, certa vez houve um apagão na cidade, e ela pôde ver a imensidão estrelada. Foi a primeira vez, depois de muito tempo, que Elizabete sentiu seu coração pular de alegria. Então teve um desejo de escapar daquele mundo para visitar outros. Quis deixar tudo para trás. Um simples desejo escapista.

Agora aqui as coisas ficam estranhas.

De alguma forma que desconheço, Elizabete conseguiu construir uma espaçonave funcional, com capacidade de dobra. Foi ela mesma que desenhou os esquemas e não sei como ela obteve acesso a materiais exóticos. Quis investigar, pois aquilo não é normal, porém, uma sensação desagradável me tomou no instante em que me propus a analisar a mente de Elizabete. O calafrio que senti poderia abrir uma porta que era melhor manter fechada. Decidi continuar observando.

Elizabete entrou em sua espaçonave e decolou silenciosamente. Voou para estrelas distantes e lá começou a desvendar seus mistérios. Ela escapou de sua realidade triste e agora se aventurava no cosmos, conhecendo tudo o que podia. Fez isso por cinco longos anos terrestres. Cinco anos perambulando pela vastidão do espaço. Me pergunto se ela estava só… Às vezes tinha a impressão de vê-la conversando animadamente… não sei se havia alguém ali…

Depois daquele tempo todo, Elizabete, cheia de assuntos novos para compartilhar, quis voltar para casa e rever seu marido. Ela imaginava que, talvez, Luiz tivesse mudado. Talvez com seu sumiço repentino ele tenha se tornado mais responsável. Ela evitava imaginar que Luiz estivesse com outra; era um pensamento por demais desagradável. Então voltou à Terra.

A sensação do retorno foi esquisita. O planeta estava lá, como sempre, mas Elizabete teve a impressão de ver algumas torres e antenas na Lua. Ao chegar no que deveria ser o terreno de sua casa, viu uma grande cratera, além de muito mato ao redor dela. O coração de Elizabete foi à boca.

Elizabete conferiu várias vezes seu computador de bordo, apenas para confirmar que estava no lugar certo. Voou para as grandes cidades e viu somente ruínas. O mundo que ela conhecia já não existia mais, e uma ideia lhe correu pela cabeça, mas preferiu ignorar. Não importava para onde ia, só via ruínas e uma natureza exuberante e recuperada, mas nada de humanos. A ideia de que aconteceu uma extinção civilizatória bateu mais forte.

Partiu meu coração ver Elizabete chorar. Mas ela não chorava por causa do suposto destino da humanidade, mas, sim, porque perdeu o seu marido e seus amigos. Antes, com todos eles, se sentia só; agora, de fato, estava só.

Eu podia apenas observar. Nada mais, nada menos. Foi então que ouvi uma porta se abrir, e vi uma pessoa de aparência indecifrável. Senti medo e procurei esconder minha presença, mesmo entendendo que isso poderia ser inútil. Estranhamente, não consegui entender a conversa que ele teve com Elizabete, mas percebi que a convidou para entrar na porta.

Assim que Elizabete entrou, o estranho pareceu me ver. Sorriu de forma esquisita, e desapareceu junto com a porta. Era a primeira vez que via aquilo acontecer… Gostaria que fosse a última.

Busquei por Elizabete, mas não a encontrei em lugar algum. Sua espaçonave ficou abandonada naquela Terra vazia de gente. É ruim ficar perdido, sem ter pra onde ir. Pensei em rastrear a mulher em outras Realidades; talvez eu conseguisse achar o traço da original, mas senti que não deveria fazer isso. Não ali…

Voltei então para o ponto inicial. Vi Luiz dormindo naquela noite de apagão. Revi a Elizabete ansiosa para ver o espaço. Pensei em intervir, mas, assim que ela saiu de casa, vi outra Elizabete entrar. Era aquela que eu buscava. Estava claramente surpresa por estar de volta ao passado, e isso me faz pensar sobre aquela estranha criatura. Porém, mesmo que as intenções daquele ser fossem questionáveis, percebi que ele realizou uma… boa ação?

Elizabete estava mais velha e mais madura. Naquela mesma semana buscou um psicólogo e passou a lidar melhor com seu isolamento. Ela aprendeu a conversar com seu marido, expondo toda a sua insatisfação; é uma infelicidade saber que Luiz nunca a entendeu. No final, acabaram se separando. Estava insustentável aquele relacionamento. Ao menos, Elizabete conseguiu ter um resto de vida tranquila… mas a visão do futuro sempre permaneceu em sua mente.

Agora, a única dúvida que me resta é aquela criatura. Ainda me sinto observado… não a todo momento, porque ele parece ter certa dificuldade em me encontrar. Mas, quando me encontra, eu sei que ele consegue me ver… E consigo sentir que suas intenções não são boas…

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